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caminheiros de Merda

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05
Fev07

Um rio de recordações


xapim


Vila Boa do Bispo, 28 Janeiro, rio Tâmega.
   

                 

                     Nesse azul sinuoso levas tanta história…

                     Agora és grande e gordo como os homens quando envelhecem e ficam ricos, és deslumbrante como rio quando te passeias opulento por entre as colinas que te amparam… mas tu não és nada disso! Não foi assim que te fiz, não foi assim que te sonhei.
                  Ao caminhar pelas tuas margens neste domingo ventoso, senti a minha infância vivida lá mais longe que o ano de 990, onde tu já observavas os labores dos contribuintes do convento da Santa Maria de Vila Boa do Bispo, pertença de frades tão ciosos da sua missão na terra como das taxas que aqueles a quem ofereciam a salvação lhes deviam. Eras mais pequeno e mais verdadeiro, deixavas-te trabalhar nas tuas águas calmas onde deviam ser e mais violentas onde eram precisas. Escondias-te estendido por baixo dos braços pendentes das árvores, corrias mais ali e desenhavas redemoinhos encostado às rochas que deixavas aparecer. Eras mais humilde, mais ameaçador, tinhas uma personalidade própria, uma água diferente. Atraías… Muitas vezes, no intervalo da doutrina ensinada pelo Padre Machado, quando não antes dela, mesmo antes de todos os catraios correrem desenfreados para a porta da residência gritando “senhor abade, senhor abade, senhor abade” para serem um a um afagados na cabeça por gesto carinhoso, eu ia para o muro junto ao coreto observar-te e jurar que um dia “hei-de te visitar…” Lembras-te de certeza, até quiseste lá ficar comigo tirando-me o apoio dos pés sabendo que eu não nadava e era a primeira vez que me metia numa aventura destas… Foi o meu baptismo nos exames de consciência em momentos aflitos.

                 A minha infância também já fez um milénio, ai fez, que eu a vejo lá tão longe. Já foi há muitos séculos que o Albaninho do Alto, chegando ao Entroncamento com os seus burros carregados com dois sacos de milho cada, lhe colocava as arreatas sobre o pescoço e com um gesto leve fazia que iniciassem o seu caminho, que sabiam de cor, até aos moinhos de "Fastei-lá" enquanto ele se dirigia à taberna não para beber mas para trocar com todos umas palavras refrescantes. Tão refrescantes que os burros ainda tinham que aguentar a carga junto ao rio até que ele chegasse! Há quantos séculos o "Zé Magro", poeta de resposta rápida e rimante , incompreendido pela juventude maliciosa que lhe chamava “Sr. Pinto” ou "Cubilhas” para o chatear, virava trinta esquinas antes de virar a esquina que dava para a tasca onde se faziam grandes tertúlias de sabedoria popular e se bebia a aguardente branca ou o traçado com anis que aquecia os dias dolorosos e anémicos daquele tempo! Oh! Já não me lembro da voz do “Braga”, ave migradora que sempre na mesma época do ano passava sempre nos mesmos locais, grande orador e pregador improvisado que, com fome, improvisava um discurso à “Nossa Senhora dos pobrezinhos dai-me um peixinho para eu comer” ao ver passar uma travessa com chicharro frito! Há muito tempo também que já não deve haver peixe frito por estas bandas pois o carrinho do "Jaquim Branco” já não anda pelos longos caminhos do baixo concelho a distribuir o gás cidla, competentíssimo no controle do tempo que uma garrafa durava nas casas, “não precissa de gasse ?” e era certo que ele estava no fim! Como eu devo ter o cabelo grande… O “Mudo” já não passa aqui há tanto tempo com a sua malinha carregada de pó de talco, tesouras, máquina de cortar o cabelo (manual claro, estamos a falar de há muitos séculos) e se calhar também muitos sonhos ou dores, não sei, ele era mudo nunca me disse. Como eram intermináveis aqueles minutos (horas!) de pé, em cima duma cadeira, (como eu gostava de crescer para poder cortar o cabelo sentado…), a tesoura num matraquear constante e ritmado a cortar nada, o pente a passar constante numa procura desenfreada de cabelo para justificar mais uma passagem da tesoura! No fim, ó supremo sacrifício, um banho de pó de talco no pescoço, nas orelhas, nas costas… Tanto que, quando ao longe via o “Mudo” nas suas constantes viagens pelo mundo, me vinha o cheiro a pó de talco. Já foi há tanto tempo, mas ainda hoje tenho medo do “Ambrósio”, que nunca conheci mas era usado para me assustar de modo a que eu não me afastasse de casa. Era um afigura mítica, espécie de Adamastor, que não sei sequer se alguma vez existiu, o meu medo sim!

 

                O tempo passa, a história escreve-se. Como o rio leva tanta água, eu carrego recordações e emoções…

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